terça-feira, 14 de setembro de 2010

Santo de Casa (Autor: Roberto Rodrigues)

Publicado no jornal Folha de São Paulo-11/9/2010

A séria revista britânica The Economist publicou na semana passada uma longa matéria elogiando a agricultura brasileira, causando enorme sentimento de orgulho em todo o interior do nosso país.

Afinal, o artigo chamava a atenção do mundo desenvolvido para o espetacular crescimento de nossa agropecuária, e sem subsídios. Mais do que isso, o articulista enfatizava o caráter sustentável deste crescimento, mostrando que o produtor brasileiro, confrontado com o protecionismo exagerado dos governos dos países ricos para com seus agricultores, optou pela incorporação de tecnologia e de gestão, vencendo os concorrentes através da melhoria da sua competitividade. E sempre é bom lembrar que um produto só é competitivo se tiver qualidade e preço que agradem ao consumidor.

Com efeito, o grande desafio da humanidade neste século XXI é compatibilizar a necessidade de aumentar a produção de alimentos com a preservação dos recursos naturais. Se as previsões da OCDE/FAO estiverem corretas - e tudo indica que estão - a demanda mundial por comida crescerá 20% nos próximos 10 anos, e ao Brasil caberá aumentar em 40% sua produção para compensar a incapacidade de crescimento das outras regiões produtoras. Isto significa um aumento de produção de quase 4% ao ano, um número nada trivial. E, é claro, não faltam os adversários do nosso agro, concorrentes lá de fora ou desinformados daqui, apregoando que nosso crescimento se dará às custas da derrubada da Amazônia ou que tais.

A verdade, como mostrado na publicação inglesa, é que nosso agro é extremamente sustentável, e isso não é uma promessa, já demos a prova deste fato: nos últimos 20 anos a área plantada com grãos no Brasil aumentou 25% e a produção saltou 154%!! Isto significa que, se tivéssemos hoje a mesma produtividade por hectare de 20 anos atrás, necessitaríamos de mais 42 milhões de hectares de mata para termos a mesma produção. Isto ninguém fala, ninguém comenta, foi preciso um inglês reconhecê-lo. O mesmo se dá com a cana-de-açúcar, cuja produtividade cresceu quase 60% desde que o Proálcool começou, "salvando" mais de 4 milhões de hectares.

Pois é com base nestes dados esclarecedores que o The Economist lança o alerta aos agricultores europeus: "copiem os brasileiros, com tecnologia em vez das tetas dos governos" (claro que não é assim que está escrito, mas o espírito é este).

E, apesar de uma minoria dos nossos proprietários rurais ainda não estarem respeitando os preceitos da sustentabilidade, a grande maioria já está no caminho adequado.

Se não fosse por outra razão, a simples necessidade de competir para sobreviver levou a isto. Depois da dura tríplice colisão vivida pelo campo brasileiro entre o Plano Collor (1990) e o Plano Real (1994), fomos forçados a buscar tecnologia e gestão para avançar. O país tinha uma inflação surreal de mais de 50% ao mês, era fechado em relação ao mundo e vivia com políticas públicas protecionistas. E de repente, após aqueles planos, a inflação ficou civilizada, o país se abriu ao mundo sem nenhuma proteção e a política pública faliu. Foi um duríssimo processo de ajuste que custou caro socialmente: milhares de produtores, sobretudo os pequenos e os da fronteira agrícola, perderam tudo o que tinham. E os remanescentes precisaram se reinventar. É verdade que ainda restam pesadas dívidas daqueles tempos, mais tarde aumentadas com a maior crise agrícola dos últimos 50 anos 2004/2006, mas isto tudo deverá ser superado e o país poderá avançar se tiver juízo e eliminar os resíduos do velho Custo Brasil.

Mas também é preciso que os produtores europeus, americanos e asiáticos leiam bem o Economist, e tratem de colaborar para a finalização da Rodada de Doha da OMC. É lá que será decidida a redução do protecionismo agrícola dos ricos, dando chance aos produtores tropicais de seguir o exemplo do Brasil e ocupar seu espaço ao Comércio Mundial Agrícola.



ROBERTO RODRIGUES, 67, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

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