Moro em Belo Horizonte, sou bióloga e consultora. E adoro viajar. Felizmente, o meu trabalho, ou melhor, o meu hobby remunerado tem me oportunizado viajar muito. Em média, 12 voos por mês. Algumas vezes, voos curtos como Brasília, Sampa... às vezes voos mais longos... como hoje... estou a bordo da TAM do Rio de Janeiro a João Pessoa. Umas três horas de viagem.
Não estou no meu assento. Escolhi o 2F mas acabei me mudando para o 6C. Motivo? Um javali do sexo feminino ao meu lado que ocupava o assento dela e metade do meu. Bom. Quem já viajou comigo sabe. Eu entro no avião e durmo. Raramente vejo fechar as portas e decolar. Mas hoje foi impossível. A moça ocupava o assento dela e uma boa parte do meu. E não é que ela fosse obesa. Ela era espaçosa mesmo. Fui me encolhendo no canto da janela e acabei pegando no sono. Por alguns minutos. De repente, não é que a bolsa dela veio parar no meu colo e a minha bolsa que estava no meu colo foi parar no chão?
Mas esse foi um dos motivos. O outro era um serzinho com uns dois anos de idade que fazia a gentileza de massagear as minhas costas com os seus pezinhos agitados. Sem contar a falação. O bom é que eles se revezavam na incomodação. Gente, em que mundo a gente tá vivendo, afinal? Será que as pessoas entram no avião e esquecem regras básicas de comportamento social e etiqueta?
Chamei a comissária e pedi para ela conseguir um novo assento para mim. Não concordo com a regra de que ‘os incomodados que se retirem’. Minha vontade era pedir para a comissária exportar a moça para um assento lá na última fila. Mas seria indelicado demais. E preferi tentar a sorte em outro assento. Nada poderia ser pior do que o que eu estava...
E então... quase dormia quando me ocorreu escrever este texto. Que – raridade – já nasceu com nome. Sim, porque meus textos em geral nascem pelo fim e se desenvolvem de trás para frente. Flightiqueta. Etiqueta e comportamento social a bordo de aeronaves.
Antes. Comecemos pelo check in. Fila. Fila já não é bom, por definição. Então, primeira coisa... entre na fila certa. Quem já fez o check in e só quer despachar a bagagem numa fila. Quem não fez, na outra. E quando chegar a tua vez de ser atendido, limite-se a falar o necessário com a pessoa que está te atendendo porque – talvez você não tenha percebido – a pessoa tem outras pessoas para atender além de você. Outra. Balcão de check in não é balcão de informações. Uma vez estava há um tempão na fila e veio um folgado e furou a fila bem na minha vez para pedir informação sobre como emitir cartão fidelidade. Bom, sou da opinião de que isso de dar a outra face tem limites e reclamei para a atendente. Meu tempo vale tanto quanto o tempo do folgado e meus dias têm exatamente o mesmo número de segundos que os dias dele.
Bagagem despachada, tome seu cafezinho e vá para a sala de embarque com a antecedência necessária para fazer tudo de maneira calma. De preferência, já leve o seu cartão de embarque em mãos para não fazer feio na hora de mostrá-lo para o pessoal que controla o acesso à área de embarque. Uma vez, vi a Sra. Folgada virar a bolsa do avesso atrás de um cartão de embarque que estava no bolso do casaco. Ela começou a ficar nervosa procurando mas não foi capaz de sair da fila para deixar quem já tinha o cartão na mão entrar. Afinal, se ela não estava habilitada a entrar, ninguém mais entraria. É assim que eles pensam...
E o raio X, então? Eu espero sempre atrás da linha amarela, até que o funcionário do raio X fale ‘próximo’. Foi assim que minha mãe me ensinou. Por isso, detesto quando o Sr. Folgado já vai entrando logo atrás de mim e fica me apressando para passar as minhas coisas. Chegou com o horário queimando? Saísse mais cedo. Não tenho culpa se o Sr. Folgado é, além de folgado, desorganizado. Se ele quer se estressar, problema dele. Mas não dou a ele o direito de me estressar.
(eita... 0h20 e um nenê chorando no avião. Virando a faringe do avesso para ser mais exata)
Sala de embarque. Você pensa que agora está tudo tranqüilo. Ledo engano. Com a proliferação de smartphones e outros dispositvos móveis com acesso a internet, rádio, TV, tocadores de música e vídeos... todo mundo fica plugado. Normal. Algo absolutamente contemporâneo. O que não dá para aceitar é gente que assiste vídeos ou ouve música sem fones. Eu não preciso ficar ouvindo o conteúdo do cara que está a 2m de distância, preciso? Fone de ouvido, minha gente... não machuca e te dá privacidade...
Falando em privacidade... uma vez estava desembarcando em Confins e, para ir para a área de restituição de bagagem a gente passa por uma ampla área de embarque que tem, como a maior parte dos aeroportos... paredes de vidro. Um homem na sala de embarque esperando o avião dele de costas para a parede de vidro. Se achando o maior espertalhão porque ninguém na sala de embarque podia ver o que estava na tela do notebook dele. Mas... todo mundo que desembarcava podia... e ele estava vendo fotos pornográficas. Disgusting. Não falo isso por puritanismo, não. Falo por não agüentar a falta de compostura em ambientes coletivos. Perdeu-se a noção de limite, de vida em sociedade. Claro que este foi um caso extremo... mas o uso de casos extremos facilita o entendimento.
Uma coisa que não entendo. Por que é que as pessoas já entram em fila logo que confirmam o voo? Será que elas obedecem à ordem em inglês de ‘Proceed to gate’? Ou será que gostam de ficar em pé? Será que têm medo de que o assento a elas designado seja ocupado por algum outro Sr. Folgado? Não precisa pressa. O embarque pode ser feito de forma extremamente civilizada... prioridades primeiro[1]. Passageiros das fileiras 15-28 segundo. Passageiros das fileiras 1-14 terceiro. Prá quê complicar, né? Mas tem gente que complica. Pegou a fileira 4 e entra correndo porque sabe que ninguém vai conferir o assento. No máximo vão conferir teu documento e teu voo. E aí a Sra. Folgada entra cheia de sacolas e empaca a fila inteira até acomodar toda a bagagem de mão dela.
Bagagem de mão que, muitas vezes, é colocada em filas diferentes da fila do assento dela. Afinal, algum outro folgado lá da fila 16 já ocupou o compartimento acima da fila 4 e a nossa amiga é forçada a colocar no compartimento acima da fila 6. Resultado = caos no desembarque... aqui vale a regra de ouro... ado ado ado cada um no seu quadrado.
Agora aqui uma pras companhias. Bagagem de mão tem limites bem claros de peso e cubagem. Se existe uma regra para isso, que a façam cumprir. Tem gente que entra com cada mala no avião e todo mundo faz vista grossa. E, com os voos lotados como andam, um folgado desse ocupa com a bagagem dele o lugar dele e de outros dois passageiros no compartimento superior. Resultado = mais caos no desembarque. Mas... eu entendo o Sr. Folgado. Como ele pensa que o tempo dele vale mais do que o de todo mundo e não quer perder tempo na esteira... leva a bordo malas que não poderia levar. Bastaria no raio X colocarem aquela gradinha de conferência de bagagem e orientarem o pessoal: não coube? Volta lá no check in e despacha. Vamos disciplinar esse bando de folgados...
Generala, eu? Um pouco hehehehheehehehe... e nem sei de onde vem isso porque não tenho passagem nenhuma por escolas militares. Mas sou disciplinadora sim. Respeito os limites de outras pessoas e faço questão que respeitem o meu.
E gente que senta em assento errado? Não sei se com vocês acontecem, mas comigo acontece direto, principalmente em voos com escala. A pessoa esquece de trocar de assento. Às vezes, nem sabe que tem que trocar de assento entre um trecho e outro. É normal. Já vi o Sr. Insuportável ser grosseiro com outro passageiro que estava ocupando o assento errado. Cadê a gentileza deste mundo, né? O outro passageiro era um senhor de idade, muito simples, que não sabia que teria que mudar de lugar. E o Sr. Insuportável encheu ele de grosseria. Cheguei a sentir pena ao ver nos olhos do tiozinho um pedido de socorro. Gente... se tiver outra pessoa no teu assento, aciona o sinal de chamada de comissaria que alguém devidamente treinado vai com toda a gentileza do mundo mediar esse microconflito. Não precisa perder a calma nem a linha. E nem agredir uma pessoa que não tem a mínima culpa pelo dia difícil que você teve.
Quase para fechar a porta, vem a moça da bala. Tenho cá para mim que isso é apenas uma estratégia disfarçada para elas conferirem se a pessoa já afivelou cintos e se está tudo em ordem para a decolagem. Mas não importa. Ela vem toda simpática com a cestinha de balas e o que o Sr. Folgado faz? Enche a mão de bala. Tá bom, o valor dessas balas é irrisório comparando com o preço da passagem. Mas existe algo mais deselegante do que abusar de uma cortesia da companhia? Acho isso o ó.
Uma vez li um post no twitter que dizia mais ou menos assim ‘Sou condicionado a odiar a pessoa que se senta ao meu lado no avião’. E dá para entender o motivo de tanto mau humor. Você será obrigado a passar um tempo numa situação de proximidade física forçada com um estranho. Eu, pessoalmente, odeio proximidade física. Sou do tipo que senta e não olha prá cara da pessoa para não ser invasiva. E prefiro que não me olhem pelo mesmo motivo. Apenas estamos sendo forçados a compartilhar um minúsculo território. Então, de novo... ado ado ado cada um no seu quadrado...
Mas nem todo mundo consegue. A Sra. Javali de hoje, por exemplo... não mencionei no início mas além de invadir o meu espaço físico, ela invadia meu espaço olfativo de uma maneira muito mas muito desagradável. Um ser humano normal precisaria passar alguns dias sem tomar banho para desenvolver um odor como aquele. Gente, estamos no Brasil... nosso lindo país tropical e talvez um dos lugares onde mais se toma banho no mundo... não custa, né, dar uma caprichada na higiene pessoal antes de ir pro aeroporto... e, do lado contrário... não abusem do perfume... nem todo mundo gosta do teu perfume, pode crer.
Estou aqui escrevendo estas linhas e lembrando de mais causos irritantes. Teve uma vez, estava indo para Natal, outra viagem longa e noturna. Estava no corredor e tinha uma folgada na janela. Podem imaginar o que é ela se deitar no assento dela e mais o assento do meio e ficar me empurrando com o pé? A primeira vez, rezei a oração de São Francisco... a segunda vez também... a terceira comecei a me enfezar e aí pelas tantas bati no pé dela com uma revista e perguntei se ela não se importaria em viajar sentada da mesma forma que os passageiros civilizados costumam fazer. Bem nesses termos.
Outra viagem insuportável foi ao lado de um político. Liderança de partido, cara conhecido prá caramba. Até eu que não me ligo em Política reconheci. O cara era grosseiro. Você via na cara dele que aqueles sorrisos nos cartazes eram de mentira. Ele era grosseiro no tratamento com as comissárias. Ele estava gripado ou resfriado. Ou não. Vai ver era porco mesmo. Ele passou a viagem inteira ‘chupando macarrão’. Tá com o nariz ruim? Passa na farmácia antes de embarcar, compra um remedinho e um lencinho... tosse a mesma coisa... avião é ambiente fechado... sem circulação nenhuma de ar... toma um xaropinho antes de embarcar e não fique espalhando vírus e bactérias prá cima de mim e dos outros passageiros. Nesse ponto, admiro os japoneses de verdade, daqueles que usam máscaras até para sair na rua quando estão gripados...
Mais? Nossa, tem muito. Automaticamente já odeio a pessoa que se senta ao meu lado no avião. E mais automaticamente ainda já odeio a pessoa que se senta atrás de mim no avião. Principalmente se a pessoa for homem com mais de 1,80m. Por quê? Porque um homem dessa altura certamente vai se sentir desconfortável e vai passar a viagem massageando as minhas costas com os joelhos. Não pedi massagem. Normalmente, peço para a comissária me mudar de lugar mas nem sempre é possível porque os aviões têm andado lotados, principalmente nos trechos BH-BSB ou BH-CGH. Dia desses, não tinha lugar disponível para troca... e então pedi para ela falar com o Sr. Joelhos para que ele trocasse de lugar comigo. Eu me senti péssima em fazer isso, ou seja, causar um problema pro inocente que estava na minha frente para resolver o meu problema. Bom, de qualquer forma, o Sr. Joelhos não aceitou o pedido de troca e fomos nos odiando até o final da viagem.
Falando em massagem nas costas in flight, uma vez um anjinho de uns 4 anos estava me chutando. A mãe estava no assento do lado com um bebê de colo. E o anjinho de quatro anos ficava chutando o meu assento com os dois pés. Logo no início da viagem, pedi muito educadamente que ele não fizesse isso pois estava incomodando. Não adiantou. Pedi a segunda vez, um pouco menos educadamente. Perguntei se ele conseguiria não chutar mais as minhas costas. Não adiantou. A terceira vez... falei com a mãe. Ela me falou que não tinha como forçar o menino a parar de me chutar, pois era apenas uma criança. Aí eu fiquei pasma. Cuméqueé? Ela defendeu a atitude do moleque e deu razão a ele? Contei até 25 e disse a ela que temia pelo o futuro do filho dela pois, se ela não era capaz de estabelecer limites para uma criança de quatro anos, eu podia vislumbrar o tipo de cidadão que essa criança se tornaria. Fez filho? Então eduque direito, coloque limites, ensine o respeito ao próximo. As companhias poderiam botar um aviso nas mesas... lá onde fala do assento flutuante e da obrigatoriedade de afivelar cintos... podia estar escrito assim ‘o assento à sua frente é sagrado. Não toque nele com mãos, pés ou joelhos’. Ou então... algo bem humorado... poderiam desenhar nos encostos as costas de uma pessoa, para que todo mundo lembre que no assento da frente existe um ser humano com os mesmos direitos e deveres...
Este foi um voo diferente. Passei acordada primeiro me sentindo invadida pela Sra. Javali e depois botando prá fora minha indignação. Não sei quanto tempo falta para pousar... talvez uma meia hora ainda... e antes de me despedir... só queria comentar o comportamento desesperado das pessoas para saírem do avião. A luz de atar cintos nem apagou e já tá todo mundo de pé se acotovelando no corredor como se tivesse disparado o alarme de incêndio. Se fazem isso numa situação de pouso normal, como se comportariam numa situação de pouso forçado? Eu fico na minha. Espero abrir a porta para depois juntar minhas coisinhas e levantar. Dia desses um Sr. Insuportável tinha tido um dia ruim, mas muito ruim. E se irritou porque eu não me levantei enquanto o avião estava com as portas fechadas. Ele jogou a bagagem de mão para o banco da frente e eu estava vendo a hora em que ele ia passar por cima de mim sem pedir licença. Mas ele conseguiu, enfim, se controlar...
Este texto burlou todo o meu sistema mental de construção de conteúdo... ou seja, ele começou do início... do título... e chego ao fim dele sem ter uma conclusão. Chego ao fim dele sem saber que destino dar a ele. Provavelmente vai para o blog. Ou talvez vire um protesto no Facebook em prol da convivência civilizada no ar. Imaginem um aplicativo no qual a gente pudesse criar uma lista negra de Srs. Folgados, Sras. Insuportáveis e Monstrinhos Sem Limites? Poderia ser informado o voo, o trecho, a data e a poltrona. E o motivo para a pessoa estar sendo enquadrada como flightiquetaless.
Ops, aviso sonoro, preparar para pouso. Salva pelo gongo. A justificativa perfeita para terminar este texto assim, abruptamente. Obrigada, comandante.
[1] Fazendo aqui um parêntese. Sou cartão vermelho na Tam há alguns anos. Mas não fico mostrando o cartão vermelho porque vem escrito no cartão de embarque que eu sou cartão vermelho. O agente de aeroporto se quiser vai checar isso mas a gente parte do princípio que ninguém vai querer ser o que não é. Se a pessoa se apresenta como prioridade é porque ela é prioridade. Estava eu na fila de prioridades um dia entre senior citizens e mães com crianças de colo... quando a Sra. Insuportável soltou uma diretaça para mim ‘as pessoas não respeitam mais a fila de prioridades’. Consegui rezar a oração de São Francisco três vezes para não revidar. ‘Ó mestre, fazei com que eu busque mais compreender que ser compreendido, perdoar que ser perdoado’... Portanto, não julgue pelas aparências. A pessoa pode estar de jeans e moleton e ser um executivo cartão black voltando das férias...
3 comentários:
Regina, adorei este post!
Não poderia ter dito de melhor forma!
Também detesto gente folgada e que não respeita o espaço alheio.
Infelizmente estes seres se reproduzem com muita facilidade, então proponho que a gente se una para enxotá-los de vez para as cavernas de onde saíram.
Achei o texto muito divertido, gostei mesmo, tanto do conteúdo quanto do estilo.
Do seu leitor fiel,
Ricardo
é, Ricardo... o mais triste é saber que esta é apenas a versão 1 deste post... e que esta história não vai ter fim nunca... beijo e obrigada pela visita!
Marcus Vinícius vive dizendo que eu deveria escrever um livro de causos de avião... talvez faça isso um dia... não sei se alguém leria... mas pelo menos ajuda a transmutar minha irritação... estou aqui há duas horas sentada numa sala de embarque... ao meu lado um sujeito batendo (esmurrando) a cadeira... e, nos intervalos ele chacoalha a perna...
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