domingo, 26 de fevereiro de 2012

Muito do que sei sobre trabalho aprendi pintando e bordando

Aprendi a bordar antes mesmo de aprender a ler. Não que tenha sido alfabetizada tarde, nada disso... mas é que cresci vendo minha avó fazer tricô e crochê prá fora. Ainda me lembro do rigor dela com os arremates, que eram perfeitos. Pontinho por pontinho, ela produzia cardigans, pullovers (chioukis), meias muito bem feitos. Lembro que ela tinha um caderno lotado de medidas de clientes e encomendas. Hoje, ela tem quase 90 anos e não faz mais tricô prá fora... mas eu me lembro dela há 30-35 anos como uma mulher super arretada e empreendedora. Ela sempre soube fazer dinheiro com as próprias mãos e eu admirava isso. Na época, nem entendia o que era emancipação feminina... mas, hoje, dou muito mais valor a ela e também ao meu avô, que - mesmo sendo japonês - sempre concordou que ela prestasse os serviços dela.  E, como eu vivia na casa deles, acho que isso influenciou muito os meus conceitos de amor e de trabalho.

Minha Batian me ensinou os primeiros pontos de crochê. No crochê, a gente aprende a nunca dar ponto sem nó. Pelo simples fato de que é impossível começar um crochê sem um nó... agora, o que ninguém fala mas que o crochê ensina... é a sempre terminar a peça com um nó. Ou dois para dar segurança. Afinal, peça que não é arrematada corretamente desmancha facilmente. Mas... vocês poderiam perguntar... o que uma criança fazia com o crochê? No começo, eu fazia correntinhas... correntinhas enormes para ganhar domínio sobre a agulha... depois, comecei a fazer quadrados para praticar os pontos... e finalmente comecei a fazer peças como roupas para bonecas, bolsas para mim, toalhinhas para colocar em cima dos móveis... ficava só à espreita na beirada da máquina de tricô da minha avó para ganhar os restos de lã... aprendi, dessa forma, que o domínio da técnica vem com a prática obstinada... não cai do ceu na forma de inspiração divina... vem da transpiração humana mesmo.

Também muito nova, aprendi com minha mãe os primeiros pontos de bordado. Lembro-me claramente de ter bordado um conjuntinho de babador e toalhinha antes do meu irmão caçula nascer. Eram de tecido azul com patinhos. Considerando que meu irmão nasceu em abril de 1978, isso significa que aos 6 anos e meio eu já me achava capaz de fazer algo bonito e útil. E era mesmo. Recebia reforço positivo ao fazer meus trabalhinhos e, para todo DDA, reforço positivo é algo poderosíssimo... tão poderoso que não sei o que quer dizer a palavra férias: era a escola anunciar o início delas que minha mãe me matriculava em cursos de artesanato, corte e costura ou qualquer outra atividade que mantivesse minhas mãos (e mente) ocupadas. Nunca reclamei disso, não. Pelo contrário: adorava os cursos de pintura em madeira, decoupage, trabalhos manuais, pintura em vidro e tudo quanto é técnica que aparecia na cidade de Bauru nas décadas de 70 e 80...

Aprendi pintando e bordando que a escolha dos materiais é fundamental. Tinta de vidro para vidro, tinta de madeira para madeira e ponto final. Não adianta querer trocar uma pela outra que o resultado será uma pintura empastada na madeira e uma pintura que sai só de passar o dedo no vidro. Portanto, usar os materiais corretos é condição necessária para um resultado satisfatório. Necessária, mas não suficiente. Uma vez escolhidos os materiais corretos, precisa também da técnica que vai da preparação da peça até o acabamento. E tudo tem que ser assim, etapa por etapa. Não pode envernizar antes de pintar. Nem pintar antes de lixar. Para tudo existe um protocolo, o jeito certo de fazer. Pode parecer bobagem, mas isso tem tudo a ver com a disciplina, o método, a visão de processo.

Claro que existe espaço para improvisação. Afinal, nem sempre o trabalho decorre conforme planejamos. Mas - e isso é fundamental - a improvisação só é possível dentro de limites bem estabelecidos pelas nossas próprias escolhas. Então, pintar e bordar me propiciou um senso de consequência muito forte... ou seja, a noção de que qualquer escolha tomada ao longo de um projeto pode ter impacto lá na frente que vai limitar mais ou menos a minha gama de opções. Então, pintar e bordar ensina a gente a pensar estrategicamente e também a responder diante de restrições ou imprevistos sem ficar na chorumela de 'ai se eu soubesse que ia ser assim, teria feito assado'... pragmatismo, enfim.

Sei, hoje, dezenas de pontos de bordado e tapeçaria... e se me perguntarem o que eles têm em comum, a resposta  é: não pode deixar ponta solta. Ponta solta é o que há de mais perigoso num bordado... é por uma ponta solta que seu trabalho vai por água abaixo. Por isso, ao tecer uma almofada ou um projeto, busco sempre conectar todas as pontas porque sempre tem alguém pronto para destruir aquilo que levou muito tempo para ser construído.

Aprendi, com agulhas e pinceis na mão, a me focar no resultado... a alquimia de transformar materiais em objetos úteis e/ou bonitos sempre me fascinou. Eu não brincava de boneca do jeito tradicional contando histórias de mamães e filhinhas. Minhas bonecas eram meu pretexto para produzir roupas e bolsas em miniatura. Ainda lembro da alegria enorme que senti quando ganhei dos meus pais uma maquininha de costura que costurava de verdade! Minha Susi ganhou calças, blusas e saias feitas por mim e foi quando aprendi o básico sobre modelagem de roupas. Isso é matemática aplicada, então meus pais achavam que eu estava só brincando de costureira mas eu estava na verdade praticando geometria, cálculo e gerenciamento de projetos.

Sim... projetos... para mim, cada peça de artesanato é um projeto, no qual a gente tem que calcular os materiais necessários... otimizar seu uso... planejar a execução... dominar a técnica... ver se o tempo necessário para sua consecução cabe no tempo disponível... então 'gastar' horas e horas e horas da minha vida fazendo minhas 'coisinhas' torna-se, no final de tudo, um exercício de planejamento e gerenciamento.

Finalmente, pintando e bordando, aprendi que a qualidade de um trabalho não se mede pelo lado que a gente vê e sim pelo avesso. É o lado do avesso que mostra se um trabalho foi bem feito ou mal feito. É onde a gente vê o capricho, o domínio da técnica, a arte. O lado direito pode até atrair o olhar mas é o avesso que realmente convence sobre a qualidade de um trabalho - é aquela parte que a gente não mostra mas que está lá para atestar a maestria do artesão.


uma palhinha do meu 'trabalho'

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